“Em um bairro de Nova York” (2021) nos leva até Washington Heights, uma vizinhança na Nova Iorque construída e formada por imigrantes, em sua maioria. O lugar está passando por um processo de gentrificação, modificações realizadas em áreas de baixa renda para serem valorizadas no mercado imobiliário, então, os moradores decidem que precisam impedir esse processo para manter a memória do lugar viva.
O filme é baseado no musical criado por Lin Manuel-Miranda (Hamilton), In the Heights, que estreou na Broadway em 2008. A obra também possui uma versão brasileira intitulada de “Nas Alturas”, que teve uma curta temporada em São Paulo, em 2016.
Eu particularmente admiro bastante o trabalho de Miranda, o cara realmente sabe como transformar versos em músicas impactantes. Seria difícil me decepcionar com a produção. E foi o que não aconteceu, rapidamente me identifiquei com a história contada por Lin e Quiara Alegría Hudes, a outra roteirista do longa-metragem.

Washington Heights pode ficar a 6.119 km de Fortaleza, cidade onde moro, porém era como se aquela narrativa acontecesse no meu próprio bairro. Não que esteja passando por um processo de gentrificação, mas é fácil encontrar os personagens nos meus vizinhos e em mim mesma.
Inclusive, o elenco foi bem escolhido. Anthony Ramos parece ter nascido para interpretar Usnavi, assim como Olga Merediz, que viveu a abuela Claudia tanto na obra original quanto no filme. A estreante Leslie Grace soube entregar a emoção necessária para a personagem Nina e ao lado de Corey Hawkins, que interpretou Benny, o interesse amoroso de Nina, trouxe a dose de romance devida para a trama.
Eu poderia passar o dia falando do grupo responsável por dar vida às figuras de Washington Heights, contudo, esse não é o foco da resenha.

As músicas são boas, todas sabem trazer a herança latina no ritmo com qualidade e é quase impossível não querer levantar para dançar junto. Mesmo que seja uma composição mais triste e reflexiva como Breathe.
“Em um bairro de Nova York” dá conta das problematizações que se propõe a fazer, em relação à situação dos imigrantes nos Estados Unidos. Mostrando que é um longa atual e relevante. No entanto, fica preso à bolha da América Latina branca e de origem hispânica.

Entendo que o diretor do filme Jon M. Chu (Podres de Ricos) não tenha bagagem para falar dos outros países do continente, entretanto, é problemático que em pleno 2021 tragam uma representação tão sem diversidade.
Ou talvez seja um pouco demais esperar tal atitude da indústria hollywoodiana, que por mais que tenha avançado ao longo dos últimos anos ao trazer elencos mais variados e histórias complexas, fica presa em fazer o básico.
Por isso, é necessário continuar cobrando que rompam a caixinha do mainstream. Contudo, é essencial que essa quebra comece por nós, deixando de consumir exclusivamente obras cinematográficas produzidas por estadunidenses e valorizando mais a indústria audiovisual do Brasil e da América Latina.
Não existem afrolatinos em Washington Heights

Além da falta de representatividade brasileira no musical, “Em um bairro de Nova York” não traz uma pessoa negra e latina no elenco principal. É complicado que a produção do longa queira emplacar uma América Latina branca, quando cerca de 25% da população do continente se considera afrodescendente, segundo dados do Lac Equity Lab de 2019 (ano que o filme foi produzido, ironicamente).
Só para trazer informações mais precisas, os habitantes afrolatinos se concentram em maior quantidade no Brasil, Venezuela, Colômbia e México. Coincidentemente, países com pouca representação entre os protagonistas da narrativa, que são majoritariamente de Porto Rico e República Dominicana.
Enfim, é aquela velha história: o que esperar de tramas que ainda são contadas sob o ponto de vista colonizado? Quer dizer, foi o próprio Lin-Manuel Miranda que achou interessante escalar pessoas pretas para interpretar senhores de escravos em “Hamilton”.

“Em um bairro de Nova York” quebra paradigmas ao celebrar a cultura latina e fala com propriedade sobre as dores do imigrante pertencente a essa comunidade. Entretanto, peca ao se limitar a visão da branquitude.
O filme já está disponível na HBO Max.