
Nascido no Harlem com o nome de Carl Lucas, Luke Cage surge em um momento em que o movimento negro celebrava as conquistas dos direitos civis após décadas de lutas. Em 2022, o super herói celebra 50 e precisamos lembrar porque ele é tão relevante para a Cultura Pop.
O ano era 1972, mas, desde 1964 brancos e negros já podiam frequentar as mesmas escolas e hospitais, além da liberdade de escolha de assentos nos ônibus. Até a década anterior, os negros tinham que pagar a passagem na frente do veículo e entrar pela a porta traseira, onde as cadeiras para as pessoas de cor estavam. Caso não houvesse mais lugar teriam que seguir viagem em pé.
Motivada pelos acontecimentos sociais dos últimos anos, a Marvel passou a abordá-los histórias em quadrinhos que produzia, caracterizando o início da Era de Bronze. Assim os primeiros super-heróis pretos começam a aparecer nas HQs. Pantera Negra sendo o pioneiro em 1966 na edição 52 de Quarteto Fantástico, o Falcão aparecendo como dupla do Capitão América em 1971 e Luke Cage protagonizando as próprias revistas em 1972. Na mesma época, a DC Comics lançava John Stewart como Lanterna Verde.
O que destaca Luke é a forma como a realidade é trabalhada dentro da narrativa. Diferentemente dos outros super humanos, Cage não luta contra alienígenas ou cientistas malucos, mas sim contra o sistema. Os vilões dele são policiais corruptos, pessoas que usam do poder que tem para cometer ilegalidades e criminosos nas ruas. Sem deixar de retratar a realidade do que é ser homem negro nos Estados Unidos.
Um homem negro a prova de balas
Apesar da premissa interessante, o Poderoso – seu nome de herói – foi criado de modo totalmente estereotipado. O que é compreensível quando conhecemos a equipe por trás do personagem: toda formada por homens brancos. Archie Goodwin como roteirista e editor, John Romita Jr ficou responsável pela capa, George Tuska era o desenhista efetivo, cabendo a Billy Graham – único negro do grupo – a finalização do produto. Depois ele iria desenhar mais edições da série.
Com um visual que fazia referência aos gângsteres da época – não à toa é associado a Blaxploitation – blusa aberta no peitoral, calças coladas, corrente em torno da cintura e uma tiara dourada que chamava mais atenção para o black power. Carl inicia sua jornada como membro de gangue e comete vários delitos. Quando percebeu que a vida que levava não fazia bem aos seus familiares decidiu seguir por outro rumo. Willy Stryker, seu parceiro de crime e futuramente vilão, segue na mesma vida e não gosta nada da decisão do amigo.
Por isso, planta drogas na casa de Luke e o denuncia à polícia. O rapaz acaba preso injustamente, refletindo na realidade de muitas pessoas pretas ainda hoje. Isto é, quando elas não são mortas porque foram confundidas com alguém.
Na prisão é onde Lucas ganha os poderes ao ser convencido a participar de uma experiência para um tipo de soro super soldado. Entretanto, um dos guardas que não gostava dele interfere no processo. O que não gera problema nenhum ao Poderoso, pois ele adquire super força e sua pele torna-se inquebrável.

Esse evento é mais uma crítica social e política aos Estados Unidos, uma vez que é uma alusão aos testes de penicilina realizados em uma prisão na Guatemala. Liderado por John Cutler, o Serviço de Saúde Pública do Tio Sam tinha pago prostitutas infectadas com sífilis para transmitirem a doença aos detentos, a fim de acompanhar o desempenho do remédio, até então novo. Não há comprovação de que os presidiários tenham concordado em participar dessa crueldade.
A história de Cage também é inspirada no caso de Tukesgee, no Alabama, onde Serviço de Saúde Pública dos EUA identificou 399 pessoas pretas infectadas com sífilis, prometendo tratamento a elas. Entretanto, esqueceram-se de contar as pessoas os resultados dos exames e de tratar a doença. Ironicamente, a falsa promessa também foi encabeçada por John Cutler.

Dessa forma, podemos perceber a relevância do Vingador não só para o movimento negro, como também para evocar as injustiças cometidas pelo próprio país contra as minorias. Luke Cage é contra-hegemônico, olhando por essa perspectiva. Era uma grande conquista termos isso já no início da década de 1970.
Heróis de Aluguel
A história de Luke Cage transforma a maldição de seus irmãos do Alabama em benção. Durante a rota de fuga, o Poderoso se depara com um assalto em uma lanchonete e resolve intervir. Ele acaba ganhando uma recompensa do gerente, então surge a ideia de cobrar pelos serviços de herói. Algo impensável para a maioria, porém como um fugitivo conseguiria um emprego legal? Cage precisava sobreviver.
No início, Luke atuava sozinho – tanto que o título de sua revista era Luke Cage, Hero for hire (Herói de Aluguel em tradução livre) – mas, nem sempre ele cobrava por seus serviços ou então a quantia tinha outro destino. Anos depois, quando conhece Danny Rand (Punho de Ferro) em uma festa que celebrava a liberdade legalizada de Cage, os dois assumem uma parceria. Atuando no começo na Restaurações Knightwing – uma firma de investigação particular de Misty Knight e Colleen Wing.

A equipe seguia uma ética de não trabalhar com vilões ou pessoas mal intencionadas, além de fornecer serviço gratuito a quem não pudesse pagar. Posteriormente, o grupo acaba quando Poderoso e Punho de Ferro saem para uma missão em um lugar onde Rand foi exposto a alta radiação. Levando-o a adoecer.
Desesperado, Cage leva o amigo a K’un-Lun a fim de que fosse curado. Contudo, um impostor da raça H’ylthri, inimigos mortais da população local, substitui Danny e assume uma postura totalmente oposta ao do herói kung-fu. De volta à Terra, o falso Punho de Ferro é assassinado pelo Super-Skrull. Entretanto, quem leva a culpa é Luke, mais uma vez criticando a sociedade racista estadunidense.
Mais tarde, quando o verdadeiro Danny retorna e os Vingadores e o Quarteto Fantástico são sugados para outro universo, a dupla retorna. Fundada pelo Tocha Humana original, a equipe passa a ser formada pelo Punho de Ferro, Hulk, Cavaleiro Negro e a Mulher-Hulk. Posteriormente o grupo muda e ganha outras formações.
Repaginada e Adaptação
Em 2000, Luke ganhou um outro visual nas mãos de Brian Michael Bendis. Influenciado pelo estilo hip hop, que fazia sucesso na época. O herói deixa o visual de cafetão de lado e passar a usar roupas mais urbanas. Virou guarda-costas de Matthew Murdock (Demolidor), entrou para os Vingadores e engravidou Jessica Jones. Atualmente, são o casal de super humanos mais estável da Casa das Ideias.

O sucesso de Cage era tamanho que antes da adaptação em série para Netflix em 2016, a Marvel tentou levar o herói aos cinemas com um roteiro pronto da Columbia Pictures e a direção quase certa de ninguém menos que John Singleton (Os donos da rua). Para o papel principal, Jamie Foxx e Tyrese Gibson foram cotados. Mas o projeto não foi para a frente.
O Poderoso só apareceu em live-action em 2015 na série do Demolidor na Netflix. No ano seguinte, ganhou uma produção própria. Apesar da extrema qualidade da narrativa, trazendo todas as questões raciais implicadas, conflitos e ótimas cenas de ação, além das músicas de hip hop, a trama foi cancelada devido um conflito de criatividade entre a Marvel Tv e o serviço de streaming.
Fontes:
Omelete
Legião dos Heróis
Revista Superinteressante
Revista Movimento