Em “Batman” (2022), dirigido por Matt Reeves, um novo criminoso aterroriza Gotham City, mas o foco dele é acabar com a rede de corrupção que governa a cidade. O problema é que isso chama a atenção de Batman (Robert Pattinson), que ficou conhecido como um símbolo de vingança entre os concidadãos. Ao descobrir que o nome da família Wayne está envolvido com o sistema criminoso, Bruce/Batman decide ir até o fim para descobrir os objetivos de Charada (Paul Dano).
Já vou começar falando que o Batman não é nem de longe um dos super-heróis que gosto. Até tentei, juro, ao assistir o emblemático “Cavaleiro das Trevas Ressurge” (2012), mas não deu. Nada me prendia naquela história, só depois fui entender o porquê: era uma narrativa extremamente branca e elitista. Não me choca que a maioria dos fãs dele sejam todos homens brancos. O justiceiro é a realização dos desejos mais sombrios da branquitude.

Mas, o que acontece com “Battinson”, como a galera está chamando o Homem-Morcego de Robert Pattinson, é um movimento contrário. Ele inicia como essa figura de vingança, um homem rico que combate o crime porque está com tédio, motivado a condenar o assassino dos pais dele. Porém, ao longo da narrativa, o milionário entende que o caminho não é a vingança.
Essa mudança ocorre principalmente por causa da relação do vigilante de Gotham com a Mulher-Gato(Zoë Kravitz). Bruce começa a refletir sobre o seu papel na cidade: se ele de fato beneficia a comunidade ou se o efeito é o oposto. O próprio filme levanta essa questão sobre o empresário dar conta somente do efeito em vez de buscar solução na causa. Fazendo uma ligação direta com as críticas que o personagem recebe, sobre ser o herói que bate em pobres, mas que nunca soluciona os problemas reais.

Inclusive, esse é um dos destaques da obra: trazer problemáticas sociais que são atuais no mundo real. Gerando maior identificação, não com a figura do Homem-Morcego, mas com a insatisfação dos cidadãos daquele lugar. É possível até traçar um paralelo com o governo brasileiro, principalmente com o caso Marielle Franco, em relação ao poder das milícias.
Outro aspecto que se destaca para mim é a fotografia do filme. Ela prova que é possível dar um toque artístico a um blockbuster e deixá-lo com cara de longa-metragem cult bacaninha. Os enquadramentos exploram ângulos que contribuem para a imersão do espectador nas cenas, levando a experiência do espectador a outro nível ainda não alcançado pelos ditos “filmes de super-herói”.
A paleta de cores dá o tom do enredo. Predominantemente vermelha e preta, ela auxilia na sensação de suspense que é presente do começo ao fim. Cada frame parece realmente uma tela pintada artesanalmente.

O elenco contribui para a qualidade da narrativa. A começar de Paul Dano que dá outra cara ao Charada, não sei se existe essa versão nos quadrinhos, mas ele deixa o personagem realmente mais sombrio e macabro (quase um Coringa), diferente da versão de Jim Carrey em “Batman Eternamente” (1995). Robert Pattinson cala a boca de muito nerdola que criticou a decisão da produção por ele no papel. O britânico entrega um ótimo Batman, meio melancólico e misterioso. Contudo, ele não consegue o mesmo feito como Bruce Wayne, pouco sabemos sobre sua personalidade e olhe que não faltou tempo para isso.
Já Zoë Kravitz brilha como Mulher-Gato com muita sensualidade e individualidade, a anti-heroína consegue uma participação marcante na trama em meio a tantos acontecimentos que ocorrem simultaneamente. Ela vai além da hipersexualização e do estereótipo de interesse romântico que é presente em outros longas do mesmo tipo. Algo que Anne Hathaway, por exemplo, não fez em “Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (2012), infelizmente. Colin Farrell está tão irreconhecível como Pinguim que não associei o personagem ao ator, não apenas no visual, mas a personalidade também. Jeffrey Wright também faz um bom trabalho como Jim Gordon, incorporando com qualidade o senso de dever que ele tem com a justiça e a sociedade. Dando também mais originalidade ao detetive.
O roteiro é bem construído, mas tem alguns espaços entre as sequências de cenas. A sensação é que a história nos é apresentada em capítulos, como uma história em quadrinhos. No entanto, a narrativa é equilibrada com um bom ritmo, mas é preciso estar atente aos detalhes. O texto possui entrelinhas que caso você perca, prejudique um pouco o entendimento em relação ao desfecho.
A diversidade também está na obra, vemos mais pessoas pretas do que em “Vingadores: Ultimato” (2019), para citar uma grande produção. E o mais importante: pessoas negras ocupando cargos que não são de subserviência, como é o caso de Bella Reál (Jayme Lawson), candidata à prefeitura de Gotham.

Além disso, a trama me lembrou muito as histórias do Demolidor, da Marvel, tanto as dos quadrinhos como a série da Netflix. Toda a aura de cidade corrompida que não possui salvação, como é a Hells Kitchen de Matt Murdock. Entretanto, diferente do vigilante de Gotham, o justiceiro tenta ajudar a comunidade com a sua profissão (ele é advogado). Provavelmente essa impressão acontece porque uma das HQs em que o filme foi inspirado é “Batman: Ano Um”, escrita por Frank Miller, também escritor de histórias do Demônio Vermelho.
“Batman” é uma surpresa boa. Traz uma nova cara ao herói e desmistifica o estereótipo de rico que bate em pobre por puro prazer, que ele ganhou ao longo dos anos. Foi uma boa forma de atrair novos fãs para o personagem.