A série terminou na última quinta-feira, 13 de outubro
Jennifer Walters (Tatiana Maslany) era uma mulher comum. Advogada há anos, ela tentava ascender profissionalmente ao cargo de promotora. Mas tudo vira de cabeça para baixo quando numa viagem de carro com seu primo Bruce (Mark Ruffalo), que também é o Hulk, sofre um acidente. Jen tem seu sangue contaminado com o DNA radioativo do vingador, se transformando em uma mulher verde grandalhona, sempre que fica com raiva. Essa é a premissa de “Mulher-Hulk”(2022), a última série da Marvel no Disney + deste ano.
Vou logo dizendo que minhas expectativas para a produção eram as mais baixas possíveis. Mas, antes que me julguem, irei me retratar: li poucas histórias em quadrinhos com a Mulher-Hulk e em nenhum dessas a personagem tinha me conquistado muito. Então, foi positivo ter sido surpreendida com a qualidade da obra em seus primeiros episódios.

Com o formato leve e divertido de sitcom, mas sem as risadas da plateia, “Mulher-Hulk” não parecia ter um propósito definido, diferente das outras séries Marvel/Disney+ que já diziam a que vinham. “Loki” (2021), por exemplo, introduz o multiverso, “WandaVision” (2021) transforma uma heroína em vilã, “Falcão e Soldado Invernal” (2021) traz um novo Capitão América.
Apesar de não ficar escurecido qual o objetivo da nova heroína, a narrativa nos prende com seu roteiro que usa um humor ácido e perspicaz para criticar o machismo tão presente na comunidade nerd. Nos fazendo permanecer para entender onde ela quer chegar.

A aparição de personagens conhecidos pelo público e de figuras das HQs que não são muito populares também ajudam a manter a história dinâmica. Personagens como o Abominável (Tim Roth), Demolidor (Charli e Cox), Wong(Benedict Wong) e outros aparecem de forma natural e orgânica.
No fim, descobrimos que o objetivo da série é simples: nos apresentar uma nova heroína com quem nós mulheres possamos nos identificar. Afinal, Jen é uma mulher como todas as outras: buscando coisas melhores em sua área profissional, um parceiro legal, saindo com os amigues, alguém que está tentando aproveitar a vida.
E enquanto faz isso, aproveita para alfinetar os “nerds de bem” que reclamam das mudanças trazidas ao Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), afirmando que o estúdio tem se desviado do real propósito das histórias de quadrinhos.

Essa galera não sabe que desde a “Era de Prata”, em meados dos anos 1960, da indústria estadunidense de HQs, a Marvel adota uma visão mais realista para seus enredos e personagens. A alternativa foi adotada por causa das censura imposta pelo Comic Code Authority, uma legislação que censurava boa parte das HQs das editoras por considerá-las inadequadas para as crianças. Com as vendas em baixa, a Casa das Ideias trouxe figuras mais humanizadas como forma de ter um diferencial, criando assim mais identificação e empatia com a audiência.
O movimento continuou nas décadas seguintes, na “Era de Bronze”, na qual se inspirava em conflitos do mundo real como a “Guerra do Vietnã” para a produção de ações no universo de super heróis.
Por isso, “Mulher-Hulk” é tão revolucionária, porque faz o básico que a maioria dos outros filmes não fizeram. Apesar de serem longas-metragens com tramas humanizadas, tinham sempre o mesmo tipo de protagonista: um homem branco hétero sofrendo com suas questões. Foi assim em “O Incrível Hulk”, na trilogia do “Homem de Ferro”, nos filmes do “Homem-Aranha”, enfim, se eu for listar todos, essa resenha não terá fim.

O elenco da série é outro ponto que traz qualidade à obra. Tatiana Maslany nos dá um show, com sua performance leve, divertida e que mostra que heroínas são gente como a gente. Elas também sofrem para encontrar um par ideal no Tinder. O mais bacana, é que embora a atriz seja extremamente talentosa, seu desempenho se sobrepõe ao resto do elenco. Cada personagem é tão memorável quanto a principal e preciso dizer que foi muito bom ver Renée Elise Goldsberry, que conheci no icônico “Hamilton”(2016).
É muito bom ver também que a Mulher-Hulk não é uma mulher solitária, que tem que fazer muitos sacrifícios. Ela pode dividir o seu fardo com uma rede de apoio de amigos incríveis. É importante ver isso nas telas, porque durante muito tempo defendeu-se a ideia de que a mulher tem que sempre ser capaz de se virar sozinha, ainda que tenha muitas tarefas.

Esse QG Opina já está enorme e talvez a maioria neste parágrafo, mas não poderia encerrar sem parabenizar a equipe por trás de “Mulher-Hulk”. A diretora Kat Coiro e a produtora-executiva e roteirista do projeto, Jessica Gao, nos deram mais esperança de que é possível sim continuar fazendo narrativas distintas para o maisntream mudar os paradigmas.
Talvez a única crítica a série é a questão do CGI. Contudo, não podemos deixar de relembrar a problemática da precarização dos funcionários da Marvel, que são mal pagos para realizarem um trabalho difícil e cansativo. De qualquer modo, vejam “Mulher-Hulk”, porque inaugura uma nova forma de perceber essa heroínas. A produção está disponível no Disney Plus.