Theodore Robert Bundy (1946 – 1989) foi um dos mais infames assassinos em série dos Estados Unidos. A fama não se resume a crueldade de seus crimes, mas toda a espetacularização de seu caso lhe rendeu a imagem de um homem charmoso, inteligente e carismático, muitas vezes dissociado de um criminoso.
Ted Bundy para conseguir suas vítimas fingia estar incapacitado com um braço engessado, pedindo ajuda para carregar algo até seu carro. Em outros momentos dizia ser policial, ou ainda, as vítimas eram caroneiras, ou apenas estavam dormindo em seus quartos. Assim, ele matou mulheres de 12 a 26 anos de forma brutal, muitos desses corpos nunca foram encontrados.
Foi condenado no fim dos anos 1970 a três penas de morte pelo assassinato de 3 mulheres e tentativa de homicídio de outras duas. Contudo, Ted Bundy confessou ter matado 30 mulheres em 7 diferentes estados após ter cumprido 10 anos de prisão, quatro dias antes de sua execução. Embora, seja especulado que o número de vítimas seja maior .
Ted Bundy: Um estranho ao meu lado

Ann Rule (1931 – 2015), hoje considerada uma das principais escritoras de true crime – crimes reais em tradução livre – dos Estados Unidos, foi amiga próxima e correspondente de Bundy enquanto ele estava preso. Se conheceram em um centro de atendimento de prevenção ao suicídio, em 1971, onde frequentemente eram os únicos na sala durante o turno da noite.
Ann e Ted desenvolveram uma relação quase fraterna, e passaram muitas horas conversando, entre as ligações por ajuda. Ela nunca desconfiaria que quase 10 anos após conhecer aquele jovem simpático e bom ouvinte, estaria escrevendo um livro sobre sua maldade.
O livro “Ted Bundy: Um estranho ao meu lado” teve sua primeira publicação em 1980, logo após as três condenações a pena de morte. A autora fez edições atualizando o caso para contemplar a repercussão da divulgação das histórias da obra. Assim como o capítulo final da vida de Bundy, que passou 9 anos recorrendo à justiça para que houvesse revisão das acusações e finalmente sua confissão.
Ann Rule fez uma extensa pesquisa para a obra, em alguns dos casos ela participou da investigação para documentá-la. O contrato para o livro sobre os homicídios foi assinado antes de saber que o principal suspeito era seu antigo colega de trabalho. A autora relata no livro diversas vezes sua angústia e confusão em relação a Ted. Parte dela acreditava em sua inocência, mas as provas contra ele, por mais circunstanciais que fossem, sempre pesavam em sua consciência. Mesmo após a condenação de Bundy, Ann continuou provendo pequenas quantias monetárias a ele e sua família.
O livro teve por pretensão mostrar Bundy das formas que Ann o conheceu: como bom amigo e como assassino. Por causa de seu conhecimento na área da criminologia, o exemplar é uma leitura obrigatória para quem estuda ou tem interesse em casos de serial killers (assassinos em série – em tradução livre). Entretanto, o grande objetivo de Ann Rule era alertar as mulheres, para que tivessem cuidado redobrado, e que nunca confiassem em estranhos ou mesmo em conhecidos.
A autora revelou que desde a primeira edição da obra diversas mulheres entraram em contato para falar de um suposto encontro com Ted, ou que passaram a ter mais cautela quando saiam sozinhas. Também recebeu e-mails e ligações de fãs de Ted que acreditavam na inocência dele e diziam estar apaixonadas pelo rapaz. Ao que Rule fazia questão de responder enfatizando a crueldade de Bundy destinada a suas vítimas.
O caso de Bundy sempre atraiu o público feminino, nos julgamentos haviam jovens na faixa etária das vítimas dele, curiosas e ansiosas para receberem um olhar e sorriso do homem. Desde sua condenação foram feitos 4 filmes sobre o caso, além de documentários e seriados. Nas obras cinematográficas, os atores que interpretam Ted sempre são escolhidos para retratá-lo como o assassino bonito e charmoso. Características exaltadas na mídia durante as décadas de 1970 e 1980.

Ted Bundy: Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile
O longa metragem mais recente sobre o caso é de 2019, intitulado originalmente “Ted Bundy: Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile” (Extremamente perverso, surpreendentemente maligno e vil, em tradução livre); em português ficou “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal”, mais uma vez unindo seus crimes com sua aparência. É estrelado por Zac Efron como Ted e Lily Collins como Elizabeth Kloepfer, mulher que foi sua companheira por mais de 4 anos e, spoiler alert (ainda é spoiler após 40 anos?), o denunciou à polícia duas vezes.
O longa-metragem é baseado no livro “The Phantom Prince: My Life with Ted Bundy” (O Príncipe Fantasma: Minha Vida com Ted Bundy, em tradução livre), escrito pela então companheira de Bundy, com a perspectiva de Liz sobre o fato. Apesar de tentar ser fiel a realidade, muitas cenas foram inventadas para, de acordo com o diretor do filme, deixá-lo mais dinâmico.
O início da história conta sobre como Ted e Liz se conheceram e se apaixonaram, apresentando várias cenas alegres e românticas, mostrando também como ele se dava bem com a filha de Liz. E até o fim do trama é sustentado a ideia desse amor insuperável.
Quase no fim da narrativa um espectador sem conhecimento prévio da história poderia achar que Ted não possui culpa no cartório, foi tudo uma armação e que Liz é uma grande traidora. É uma sacada que fica legal na obra fictícia quando confrontada com as confissões de Bundy, nos 45 do segundo tempo, quando enfim confirma os homicídios. Mas em relação ao fato, a maneira como Ted foi apresentado na maior parte do filme é irresponsável.
Não vou me alongar comentando sobre todas as diferenças e omissões da obra cinematográfica em relação ao caso real, vou frisar o ponto principal onde o longa peca: o relacionamento de Ted e Liz. Não, eles não eram um casal perfeito de comédia romântica.
Ted não era extremamente apaixonado por Liz. Ele era obcecado por ela, o que não o impediu de traí-la várias vezes, inclusive prometendo noivado a outra mulher enquanto ainda estava com Elizabeth. E ele não era um príncipe sem defeitos com ela, foi abusivo diversas vezes, além de tentar matá-la asfixiada ao fechar todas as entradas de ar enquanto a lareira estava acesa. O filme passa pano para Bundy sim.
Ann Rule não é citada na obra cinematográfica, mas em seu livro ela destina espaço para discussão do relacionamento entre Ted e Liz. Ela relata que Bundy não conseguia visualizar Kloepfer em outro relacionamento. E falava sempre não conseguir viver sem ela, porém mesmo quando ficou retido pela primeira vez, ainda se relacionando com Liz, outras duas mulheres mantinham contato com ele. Ele aprisionou Elizabeth contando mentiras, manipulando-a, sempre alegando inocência e prometendo o casamento quando saísse da prisão.
Outra parte erroneamente representada na trama é a denúncia que Elizabeth faz. Ela não o denunciou apenas por conta da semelhança com o retrato falado, o nome e o carro que o suspeito dos assassinatos possuía. Ela encontrou diversas evidências nas coisas de Bundy, tais como: calcinhas, chaves, e o gesso para colocar no braço. E mesmo com tais provas, Kloepfer ainda se questionou por muito tempo, voltando a se relacionar com Ted enquanto ele estava em liberdade condicional a espera do primeiro julgamento.
Um aspecto da personalidade de Ted Bundy bem apresentado no filme é sua teatralidade, fazendo um show em todas suas entrevistas e no seu julgamento. Zac Efron conseguiu apresentar com perfeição os trejeitos de Bundy, e as cenas que imitam sem alteração as gravações originais, demonstram a qualidade da atuação. No entanto, o aspecto sarcástico e o humor obscuro de Ted quase não se fazem presentes.
Como muitos comentaram, a trama parece focar mais na parte “irresistível” do que na “face do mal”, podendo evocar mais uma vez os comentários e percepções de jovens mulheres que Ann Rule tanto tentou combater. Os dois livros citados contam um pouco a história das diversas faces de Ted Bundy, com o objetivo de alertar.
O filme, contudo, preza o entretenimento. Contar a história do jovem brilhante que seguiu por outro caminho, parafraseando o juiz do caso Edward Cowart, que atuou como advogado no próprio julgamento. Talvez como obra fictícia seja um bom longa, mas carece de sensibilidade e responsabilidade para com os fatos. É um absurdo, assim como a maiorias dos acontecimentos do caso durante e após o julgamento.
“É uma tragédia este tribunal ver tamanho desperdício, acho, da humanidade que já presenciei neste tribunal. Você é brilhante, seria um bom advogado. Adoraria vê-lo atuar diante de mim, mas você seguiu outro caminho, meu caro. Cuide-se. Não tenho nada contra você, quero que saiba disso.” – discurso final do juiz Edward Cowart após condenar Ted Bundy a pena de morte.
Material citado e/ou recomendado:
Ted Bundy: Um Estranho ao Meu Lado, Ann Rule
O Príncipe Fantasma: Minha Vida com Ted Bundy, Elizabeth Kendall (pseudônimo)
Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy (documentário, disponível na Netflix)
Ted Bundy: Apaixonada por um Assassino (documentário, disponível na Amazon Prime Video)