Em “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” (2021), Wakanda tenta continuar a ser uma nação próspera após ter perdido seu rei e principal protetor, T’Challa (Chadwick Boseman), o Pantera Negra. Contudo, a decisão do finado monarca de abrir as portas da nação africana para outros países, faz com as principais economias do mundo cresçam seus olhos para uma das maiores riquezas do lugar: o vibranium.
Diante da recusa wakandiana em partilhar o metal precioso, as nações saem em busca do material ao redor do globo. Mas, acabam despertando a fúria de um povo ancestral submarino.

Acredito que seja óbvio que estava bem ansiosa para esse filme, já que a morte do querido Chadwick Boseman mudava tudo o que podíamos esperar em relação ao herói africano. A decisão da Marvel em não escalar um substituto levantou rumores sobre quem seria o próximo(a) Pantera Negra. Inclusive, publicamos um vídeo em nosso canal falando sobre como foi a passagem do manto nas histórias em quadrinhos, você pode assistir aqui.
O longa-metragem já inicia com um tom diferente do primeiro “Pantera Negra” (2018), ao apostar em uma narrativa levemente anticolonial e matriarcal, com maior espaço para as mulheres, destacando a rainha Ramonda (Angela Bassett), Shuri (Letitia Wright) e a dora milaje Okoye (Danai Gurira). Sabemos que essa decisão só ocorreu por causa da morte do protagonista, contudo, precisa ser celebrada porque produções de super-heroínas, principalmente negras, ainda são minoria no mainstream.
Por isso, é muito bacana ver essas personagens cuidando uma das outras, como a história se torna mais sensível com essa mudança significativa. Além de mostrar ainda mais a potência das Dora Milaje, responsáveis por guardar o trono e a família real, evidenciando toda a inteligência e estratégia desse grupo para impedir os roubos de vibranium.

O tom decolonial, ou seja, de enfrentamento da colonialidade do poder na América Latina e em África, que mesmo após a independência dos países colonizados, permanece na estrutura, toma mais força com Namor. O “vilão” (entendido por mim mais como um anti-herói) reivindica vingança da superfície a fim de trazer justiça para seus ancestrais escravizados e mortos pelos invasores espanhóis.
Um dos pontos fortes da produção é justamente a forma como resolveram retratar Atlântida e o príncipe dos mares, fugindo de estereótipos e criando um novo super-herói latino, com quem mesmo nós brasileires nos identificamos. Caso você não saiba, nas histórias em quadrinhos, Namor foi feito para ser um estereótipo dos japoneses, ainda durante os conflitos da 2ª Guerra Mundial (19639 a 1945).
A decisão de trazer ele e os outros personagens de Talocan como os povos originários do México foi genial, porque além de dar a nova roupagem necessária ao personagem, traz histórias não contadas sobre essa região e novamente, traz os problemas da invasão espanhola à tona. Assim como faz uma ligação com África, através de Wakanda, por meio das opressões sofridas.

Outro aspecto a ser destacado, é que o povo submarino só tem diálogos em sua língua ancestral, que infelizmente não sei qual o nome, marcando mais uma vez o caráter anticolonial dessa trama. Mas, não iremos esquecer que por mais afrocentrado que o roteiro, elenco e produção de “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” possam ser, é um filme de Hollywood, estadunidense, portanto, mesmo que haja denúncias e problematizações, elas não acontecem de graça. Muitas negociações foram feitas para que pudessem acontecer, além da obra desfrutar do privilégio de ser um blockbuster e ter mais espaço nos cinemas do mundo do que filmes independentes ou brasileiros, por exemplo.
A introdução de Riri Williams (Dominique Thorne), Coração de Ferro, é outro acerto do longa. Estava preocupada como fariam a inserção dessa personagem tão especial para mim. Nas HQs ela está ligada ao Tony Stark e ele morreu no Universo Cinematográfico da Marvel. Entretanto, o roteiro de Joe Robert Cole e Ryan Coogler e a direção, também de Coogler, souberam trazê-la com maestria, Dominique Thorne entregou uma atuação maravilhosa e mal posso esperar para vê-la em uma produção solo.

Não posso deixar de mencionar as performances de Letitia Wright (Shuri), Angela Bassett (Rainha Ramonda), Danai Gurira (Okoye) e Tenoch Huerta (Namor), por suas atuações impecáveis, dignas de premiação. Florence Kasumba (Ayo) e Michaela Coel (Aneka) também se destacam como dora milaje, mesmo que sejam coadjuvantes e haja tantos talentos no grupo. Assim como Winston Duke com seu simpático M’Baku.
A fotografia e a trilha sonora ajudam na sensibilidade da narrativa. Somos mais uma vez presenteades com belas paisagens de Wakanda, além dos ângulos bem usados nas cenas de ação, nos dando o ponto de vista dos personagens em cada luta. As músicas, com faixas de artistas nigerianos, mexicanos e que marcam o retorno de Rihanna, mantém a atmosfera intensa e emocionate.

A trama possui alguns defeitos, claro, não é 100%. Mas são tão pequenos, que me pergunto se devem ser mencionados diante da qualidade do trabalho. Algo que preciso dizer, e aqui vem um spoiler, então pule essa parte senão quiser saber, é que me incomodou muito usarem o artifício da morte para o desenvolvimento da Shuri.
Foi ótimo vê-la como protagonista, pois uma referência feminina e negra nas telas ainda é minoria quando falamos em filme de super herói; porém, usar da morte de alguém importante para a construção dela foi desnecessário e antiquado. A narrativa fala sobre uma família que está cansada de perder seus entes queridess e a produção achou que seria bacana matar mais um deles? Não achei coerente.

Outro possível erro, na minha percepção, foi deixar em aberto a questão da investigação da CIA sobre Wakanda. Contudo, vou acreditar que foi proposital e que talvez aparecerá mais sobre em “Invasão Secreta”, prevista para estrear em 2023, no Disney +.
No mais, o filme faz lindas homenagens ao ator Chadwick Boseman e é quase impossível não chorar com elas, com imagens e falas no roteiro que remetem a ele. Não falarei mais do que isso para não dar spoiler, mas quem se ligou, pegou. Assistam “Pantera Negra: Wakanda Para sempre”, ele mostra como fazer filme de super herói que preste. Quem disse o contrário, não entendeu o peso dessa narrativa.