Itaewon é conhecido pela badalada vida noturna, pela gastronomia diversa e presença massiva de estrangeiros. É nesse bairro boêmio de Seul que Park Sae-ro-yi (Park Seo Joon – O que houve de errado com a secretária Kim) resolve realizar o sonho do falecido pai e abrir o próprio bar, o Danbam. Os obstáculos, no entanto, serão inúmeros para que Sae-ro-yi e sua equipe consigam um espaço no mercado. Esse é o enredo de “Itaewon Class” (2020), k-drama da JTBC, distribuído pela Netflix.
O dorama baseado na webtoon Daum me cativou desde o primeiro episódio, quando percebi que tinham figurantes negros no elenco. Pode parecer besta, entretanto, na minha curta vida de dorameira sei como a diversidade não é pauta desse tipo de produção.

Mas, deixando os detalhes técnicos de lado, a trama da novela chama atenção ao quebrar o padrão das narrativas dos kdramas convencionais. Apesar de existirem diversos tipos de dramas – românticos, gastronômicos, ação, fantasia – nenhum deles aborda tantas questões de raça e gênero como Itaewon Class com uma certa dose de romance ainda.
Racismo, xenofobia e transfobia são as problemáticas retratadas na obra com o protagonismo de Kim Toni (Chris Lyon – Miss and Mrs Cops), personagem que é afro-coreano e Ma Hyun Yi (Lee Joo-Young – Brooker uma nova chance), uma mulher trans. Assuntos até então pouco abordados no entretenimento sul-coreano, já que o próprio país é bem conservador.
E diferente do que se espera, a série consegue trazer esses temas de forma profunda e sensível, sem cair em estereótipos com os quais estamos acostumades a ver na grande mídia nacional e internacional.

As histórias dos dois personagens e o seus panos de fundo são inseridos aos poucos na narrativa, sem destoar da trama principal, de modo que o DanBam se torna um porto seguro para eles.
Toni é filho de uma mulher ganense com um homem sul-coreano. Ele vai à Coréia do Sul para encontrar o pai, então desaparecido. Entretanto, por causa de sua cor não é considerado um cidadão sul-coreano e tem dificuldade para conseguir um visto . Em um dos episódios, o rapaz é impedido de entrar na boate com seus amigos, por ser nativo do continente africano, revelando a xenofobia e o racismo presente na sociedade sul-coreana.
Além disso, os próprios amigos dele o tratam como um estrangeiro, o que deixa Toni visivelmente incomodado. É interessante porque a narrativa não se prende a um só tipo de manifestação do racismo e também não resume a história do personagem a sua dor, sendo um aspecto que enriquece ainda mais a história.
Mesmo tendo vivido situações chatas, a jornada de Toni para encontrar o pai não é deixada de lado. E posso dizer que ele teve um final feliz, sem dar tanto spoiler.
Já Hyun Yi tem que lidar com a transfobia velada dos amigos, que ficam chocados ao descobrir que ela é uma mulher transgênero. O constrangimento é tamanho que se torna inconveniente ao espectador – pelo menos me senti incomodada – vendo ela sofrer com aquilo.
Mesmo com o inoportuno embaraço dos amigos e colegas de trabalho diante de Tony e Hyun Yi, aos poucos eles vão entendendo as questões dois, apresentando um crescimento notável durante os episódios, mostrando que estamos em eterno processo de desconstrução, quando nos mostramos abertos a isso.

O personagem principal Sae-ro-yi não é ofuscado por essas problemáticas. Ele me lembrou um pouco o protagonista de outro drama, o Seo Poong (Jun-ho) de Wok of love. Diferente de Poong, Sae-ro-yi tem mais tempero devido a todas as dificuldades que passa para conseguir alcançar seus objetivos. Apesar de não ter conhecimento sobre os problemas de seus amigos, ele aparenta estar sempre aberto a ajudá-los, sem muito julgamento.
Enquanto Poong tem sua vingança motivada por causa de uma traição, Sae-ro-yi vê o pai ser demitido injustamente e tem que lidar com a morte precoce dele, que sofre um terrível acidente. A tragédia motiva o rapaz a seguir o sonho do pai, ainda que haja uma pedreira inteira no caminho do nosso herói.
A meritocracia entra em xeque na trama, salientando que apenas o esforço individual não resolve muita coisa. Mas, uma equipe compromissada a fazer acontecer, junto com recursos e contatos, mudam o cenário. A série também é um prato cheio para quem gosta de conceitos relacionados ao Marketing.

Outro destaque da produção é a fotografia, ela é íntima e explora os ângulos de forma a nos imergir cada vez mais na narrativa. Em algumas cenas se torna até desconfortável, porém, agrega muito à qualidade do k-drama.
A única falha no mis en place de Itaewon, foi a escalação de uma atriz cis para o papel da personagem trans, cometendo aí um transfake, que é quando uma pessoa cis interpreta um personagem trans em obras audiovisuais. Me pergunto senão há atrizes que são mulheres trans na Coréia do Sul. Contudo, é de esperar que isso aconteça, dado o conservadorismo presente na sociedade e na indústria audiovisual sul-coreana.
As doses de romance são boas, entregando um triângulo amoroso interessante entre Sae-ro-yi, Jo Y-Seo (Kim Da Mi – Our beloved Summer) e Oh Soo Ah (Kwon Na-Ra – Bulgalsal: Almas imortais),que deixa o telespectador indeciso diante da química entre os três – que poderiam facilmente formar um trisal. Mas, como o drama não é focado em comédia romântica, talvez não seja suficiente para os fãs deste gênero. No entanto, trazem um bom escape para os momentos difíceis que a equipe do DanBam passa ao longo da trama.
Itaewon class está disponível na Netflix, são 16 episódio com duração de 1 hora em média.